Sunday, August 12, 2007

Mineiro, maldito, quase-poeta, Marcos Nunes

Não era eu, mas as pedras que subiam a ladeira;
ia zonzo, hálito de pinga, mal-estar reforçado
pela paisagem ferruginosa, exalando manganês podre.
Estou em frangalhos, não como há dois dias,
mas nem por isso não bebo, não deliro
deixando a memória percorrer figuras de pesadelo,
estátuas barrocas, putas desdentadas, ladrões de galinhas,
tudo reverberando algo que li em algum lugar,
guardados sem importância, desditas de sempre, de todos,
mendigos de sentimentos embolorados,
carentes da esbórnia,
malditos.

Tenho o destino de todo poeta americano,
expondo na sarjeta sua miséria embebida em álcool,
talento sombrio de Poe, pele escura de Cruz,
mas vagando nesse País dos Loucos, caminhos de Minas.
São milhares como eu, suspeito que milhões:
em cada burguês, funcionário público a andar pela rua
sem movimentar os braços, como Drummond,
vejo o retrato de dores incompreensíveis, inventadas
- a lírica vulgar dos pardais sem sinfonia, sem partitura,
apenas criaturas banais, percorrendo as ruas sujas.

Volto à Belo Horizonte, percorrendo em romarias noturnas os botequins,
suas mulheres não nomeadas, suas santas sem biografia.
Já não há pedras, só asfalto, e nos bairros ricos
Brasílias de consumo, ambições de vidro e concreto;
decerto uma música resiste como as folhas verdes ao vento,
decerto não estou à beira do desastre,
decerto sou alguém,
um quase-poeta,
mineiro,
maldito,
só.

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