
O cinema nasce mudo.
Intolerância é tido como um dos precursores da linguagem cinematográfica. Não sei exatamente o que foi feito antes dele, tenho comigo que não assisti nada anterior a 1916, mas posso estar enganado, mas assistir Intolerância é uma experência única e de enorme interesse para quem aprecia cinema. A primeira impressão é de que a coisa era tão precária na época que não só não há som, ou cor, como também não há muito cinza ou mesmo imagens dicerníveis. O contraste é violento e o controle da luz oscilante, muitas vezes é preciso adivinhar o que se deve ver, o que é facilitado pela simples técnica de centralizar o objeto central, apesar de já haver aqui o uso de temas secundários no plano de fundo, que ajudam a contextualizar as cenas e dar maior veracidade ao filme. Para o espectador de hoje, os magníficos e megalomaníacos cenários construídos parecem toscos e perdidos em meio a baixa qualidade da reprodução, mas são eles que deram início aos estúdios e grandes produções, que hoje mudaram de casa e são feitas por nerds sentados atrás de um computador entre paredes cinzas e cubos com ar condicionado. Voltemos a vaca fria. Se a mídia e a tecnologia da época eram ainda inernes, as técnicas e a própria linguagem narrativa do cinema eram também recém nascidas, ou melhor, nascem ou se consolidam com Intolerância. Direção e atuação também começam a esboçar modos próprios, afastando-se um pouco da interpretação teatral. Mas o central aqui, é como eles se desenvolvem num meio sem som. Penso que talvez esta limitação tenha sido fundamental para o desenvolvimento do cinema, de seu afastamento do teatro e da criação de técnicas como o flash-back e as fusões ou paralelos (interessante notar por exemplo que um dos flash-backs usados por Griffith mostra a cena de um modo diferente da como a vimos pela primeira vez, seria isto um erro que levou a criação do tal continuísta?). A ausência do som força os atores a expressarem os sentimentos e pensamentos dos personagens através de expressões e gestos, muitos vezes exagerados e grotescos para os padrões modernos, outras vezes geniais e sutis, como o melhor cinema já feito (e parece que esquicido nos dias de hoje). Intolerância usa também uma estrutura narrativa que nos parece extremamente atual, pós-moderna, intercalando e interligando quatro diferentes histórias que se passam milhares de anos aparte. Todas elas centradas no tema central do filme, também de atualiadade indiscutível, a intolerância. Por isso, e por mais, peço ao leitor que vença sua intolerância e assista este filme de quase cem anos, mudo, sem cor e sem precedentes.
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